quinta-feira, setembro 29, 2005

Contrastes

Na Grã-Bretanha, os activistas dos direitos dos animais conseguiram fechar uma quinta (Darley Oaks) onde se faziam experiências científicas em cobaias. A intenção seria louvável - evitar o sofrimento de animais. Mas o prejuízo para a investigação científica é significativo. E, como notava o Economist, os animais que morrem em laboratórios são muito melhor tratados do que os milhões de galinhas e outros bichos em cativeiro nas quintas tradicionais. Além de que muitos desses activistas não prescindem do seu bacon ao pequeno-almoço nem, presumo eu, evitam pisar formigas ou matar mosquitos.

Mas há contrastes mais chocantes. Por exemplo, entre a crescente preocupação com o bem-estar dos animais e o modo como muitos dos que querem liberalizar o aborto encaram a vida da criança antes de nascer. O avanço da ciência tem vindo a tornar evidente para todos que, muito cedo na barriga da mãe, o feto tem reacções típicas da vida humana. Bem sei que tudo depende de saber a partir de que momento se pode falar em pessoa. Ora, marcar uma data para o início da vida humana após a concepção é arbitrário porquê x semanas e não y? O princípio da precaução, tão na moda na ecologia, deveria aqui conduzir quem tem dúvidas e está de boa fé a evitar pôr em risco uma possível vida humana.

A questão moral (não religiosa) do aborto é importante, complexa e toca nas convicções fundas de muita gente. Por isso merecia um debate nacional alargado. Em vez disso, e por razões de mera táctica partidária, o PS tenta forçar um referendo feito à pressão, apenas seis semanas após as eleições autárquicas. Ou seja, sem as condições de significativa participação cívica que o Presidente da República, em Maio, considerava indispensáveis a tão delicada matéria. Aí está outro contraste chocante.

Francisco Sarsfield Cabral
Diário de Notícias de 29 de Setembro de 2005

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